segunda-feira, 18 de julho de 2016

BOA NOITE FERNANDA


Uma das manias de Mário, era sempre organizar seus recortes, notícias, fotos, jornais e revistas de seus últimos assassinatos. Declarava-se muito organizado. Essa sempre foi a qualidade que o diferenciava em seu trabalho. Também tinha como mania, ler e reler os seus diários criminosos. Sentia-se incomodado, pois sempre que lia, achava incompleto o que o obrigava a ser o mais detalhista possível. Isso de certa forma o relaxa.

Há quase dois anos sem férias, a empresa sinalizou 40 dias antes, que suas férias se aproximavam e, bem cansado, viu que tinha necessidade de viajar. Já faziam 8 meses que cometera seu último crime e a mídia já o havia esquecido, podia dessa forma, arriscar-se um pouco mais e sair além de casa e do trabalho. Ainda frequentava a igreja, e sempre se emocionava quando o Padre referia-se a Marilene.

A noite, enquanto bebia o seu café rotineiro, definiu que ia para o interior do estado, visitar a casa dos avós maternos e tios. Há muito tempo não os visitava em virtude da distância e da vida pacata que geralmente as cidades do interior oferecem. Entre um gole e outro, definiu também que era melhor ir de ônibus, pois precisava economizar. No dia seguinte, comprou as passagens e avisou a todos a data que iria chegar. Como sempre, todos ficaram em festa. Sempre foi um neto querido pelos avós.

No dia da viagem, fez as malas bem cedo, cortou os cabelos, comprou alguns presentes, colocou seu livros de faroeste e mitologia grega na mala e os itens de higiene pessoal. Vaidoso como sempre, a beleza pessoal não podia ser esquecida. Selecionou uma boa pasta de música e 1 hora antes da saída já estava na rodoviária.

Como mania também, só viaja na última. Justificava sempre quando criticado, que tinha medo de morrer e na sua concepção, as últimas cadeiras são as menos prováveis, em um suposto acidente ou assalto, de serem atingidas. Foi o primeiro a entrar no ônibus e de gorro na cabeça e fone de ouvido, observava um a um os passageiros que entram no carro. De lá não saiu até quando sua poltrona do lado foi ocupada.

Do seu lado, sentou-se um moça morena, cabelos pretos soltos encaracolados, dois travesseiros de flores e um cobertor de ursinho puf. Se cumprimentaram apenas com os olhos e um sorriso de canto de boca. Ambos continuaram em suas músicas e apenas observavam a paisagem lá fora que passava com a velocidade do ônibus. Estava frio e cobertos seguiam dormindo.

Depois de algum tempo, na segunda parada, grande parte dos passageiros desceram e foi o momento deles também saírem do ônibus. Lá fora, entre o costumeiro café, dispensaram o fone de ouvido, se apresentaram, sorriram e trocaram mais informações. Ela disse que também ia visitar a casa dos parentes, que era Engenheira Agrônoma e que amava cães. Estava solteira e que amava viajar. Neste papo, ele lamentou o fato dele ter que descer 100 km antes do destino dele, mas a convidou para vir visitar as cachoeiras da cidade de seus avós. Ele comprou chicletes, ela fumou um cigarro.

De volta ao ônibus já bem vazio, ela sentou nas poltronas do lado, alegando maior espaço na cadeira vazia. Ele continuou em sua cadeira de origem. Ainda falaram um pouco e ela sonolenta, disse que dormia devido o remédio que sempre tomava para evitar o enjoo da viagem. Ele logo ouviu sua respiração mais forte.

Com a luz do visor do celular, notou que um dos travesseiros dela estava no corredor do ônibus. Tirou o cobertor do seu corpo, e com meias nos pés, levantou-se e pegou o travesseiro, Colocou sobre seu rosto e comprimiu apertando-lhe o pescoço. Quando não ouviu mais sua respiração, conferiu-lhe o pulso direito e confirmou sua morte. Cobriu-lhe a cabeça, voltou e ocupou sua cadeira. Em pouco tempo o motorista anunciava a sua chegada na sua cidade. 

Com as luzes do corredor acessas, calçou seu tênis, pegou sua mochila e com um sorriso discreto de satisfação disse: "Boa Noite Fernanda". Pediu um táxi e partiu. 

Paulo Veras é psicólogo clínico e organizacional, psicanalista, escreve e faz palestras, especialista em educação especial e inclusiva, especialista em docência do ensino superior e professor universitário,  em Goiânia-GO.

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