quinta-feira, 18 de junho de 2020

BOA NOITE JULIANA



Haviam três meses da sua transferência de posto no órgão público em que trabalhava. Inevitavelmente foi preciso mudar sua rota para ir ao trabalho e isso de certa forma lhe trazia mais prazer do que desconforto. Embora não ficasse muito distante, Mário preferia ir mais de carro do que de Metrô. Gostava de praticidade e acreditava que o carro lhe oferecia.

A mídia já não falava mais sobre os últimos assassinatos de mulheres e ficou menos preocupado quando o delegado disse em entrevista que não haviam relações entre os crimes, não sendo portanto, crimes cometidos por um serial killer. Para sentir-se mais confortável, preferiu mudar de apartamento, trocou de academia e passou cada vez mais a ir em supermercados diferentes.

Sentia que sempre que olhava os recortes de jornais sobre os crimes cometidos, era tomado por uma sensação de poder e grandeza sem iguais. Embora soubesse que era tímido e de poucos amigos, era nesse momento que se sentia envaidecido. Era tão prazeroso rever tudo isso, que em forma de ritual, sempre bebia algo e brindava a si mesmo.  

Aproveitando o novo caminho, parou para visitar um sebo de livros o que fazia com certa frequência no trajeto anterior. Encontrou em uma dessas livrarias, uma grande coleção de livros infantis e como esse era seu gênero literário favorito, sentiu-se em casa. Em poucos dias passou a ser familiar e sempre passava ali em busca de novos títulos.

Na mesma rota, parava sempre na esquina do bosque onde se via pessoas caminhando, vendendo objetos, fazendo atividades físicas ou passeando com seus pet’s e isso o distraía enquanto o farol de trânsito ficava verde. No final do dia sempre era mais divertido e algumas vezes, também parava ali tomar água de coco.

A vendedora de frutas sempre o abordava e quando não comprava nenhuma mercadoria, entregava a ela chicletes, balas ou até mesmo chocolates. Essa rotina já fazia parte do seu cotidiano, que era comum diminuir a velocidade do veículo afim de pegar o farol fechado na esquina do bosque, aproveitando a sombra e o sorriso da vendedora.

Apostando no vínculo criado com a moça, resolveu pedir o número do seu telefone com a intenção de encomendar frutas frescas, em especial maçãs. Segundo ele, gostava de ler suas histórias enquanto as comia. As verdes, geladas, eram as suas preferidas. No final de semana esteve no bosque, mas não encontrou a vendedora. Fazer caminhadas não era uma atividade que o seduzia, mas aproveitou a oportunidade para dar uma volta no bosque e conhece-lo melhor. Embora frustrado decidiu procurá-la na semana seguinte.

Conforme planejado, na semana seguinte passou lhe a primeira mensagem, apresentou-se a ela e disse que era o rapaz do carro cinza. Mandou uma foto, pediu uma dela, confidenciaram suas idades, que estavam solteiros, que moravam sozinhos, falaram do seus trabalhos, sorriram e ele salvou o número dela no seu celular. Trocaram mais algumas palavras, acertaram os valores e marcaram o dia de pegar as frutas encomendadas.

Não sabia exatamente, mas fez isso por cinco ou seis semanas seguidas. Mesmo não comprando frutas todos os dias, se viam no transito, trocavam sorrisos e mensagens. Em um dos finais de semana, pediu a ela que fossem a um parque do outro lado da cidade para se verem e andar de patins. Embora ela dissesse que não conseguia andar, ele insistiu que ensinaria ela, além de pagar a locação. Tomaram água de coco, sorriram e ele a deixou em casa.

Na quarta-feira seguinte, saiu do trabalho uma hora mais cedo, passou na padaria mais perto e comprou um pedaço de torta de chocolate. Passou pelo bosque e como de costume ela veio ao seu carro. Sorriram e ao entregar a torta disse que era para adoçar a sua noite após o jantar. De boné para se proteger do sol, agradeceu constrangida. O sinal abriu e eles se despediram.

No dia seguinte, passando pelo mesmo trajeto, ele não a viu. Na segunda feira, 5 dias depois, parado na esquina do bosque, escutou pelo rádio que vizinhos acionaram a polícia, que encontrou uma moça morta dentro de casa. Do lado, um recipiente de isopor com uma fita vermelha por fora e resto de torta de chocolate por dentro, com a frase escrita ao fundo: “Boa Noite Juliana.”

O sinal abriu. Sorrindo, engatou a primeira marcha e seguiu.



Paulo Veras é mestre em educação, psicólogo clínico e organizacional, psicanalista, pedagogo, escritor e faz palestras, especialista em educação especial e inclusiva, especialista em docência do ensino superior e professor universitário em Goiânia-GO.


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