Haviam três meses da sua transferência de posto no órgão público em que trabalhava.
Inevitavelmente foi preciso mudar sua rota para ir ao trabalho e isso de certa
forma lhe trazia mais prazer do que desconforto. Embora não ficasse muito
distante, Mário preferia ir mais de carro do que de Metrô. Gostava de
praticidade e acreditava que o carro lhe oferecia.
A mídia já
não falava mais sobre os últimos assassinatos de mulheres e ficou menos
preocupado quando o delegado disse em entrevista que não haviam relações entre
os crimes, não sendo portanto, crimes cometidos por um serial killer. Para
sentir-se mais confortável, preferiu mudar de apartamento, trocou de academia e
passou cada vez mais a ir em supermercados diferentes.
Sentia que
sempre que olhava os recortes de jornais sobre os crimes cometidos, era tomado
por uma sensação de poder e grandeza sem iguais. Embora soubesse que era tímido
e de poucos amigos, era nesse momento que se sentia envaidecido. Era tão prazeroso
rever tudo isso, que em forma de ritual, sempre bebia algo e brindava a
si mesmo.
Aproveitando
o novo caminho, parou para visitar um sebo de livros o que fazia com
certa frequência no trajeto anterior. Encontrou em uma dessas livrarias, uma grande
coleção de livros infantis e como esse era seu gênero literário favorito,
sentiu-se em casa. Em poucos dias passou a ser familiar e sempre passava
ali em busca de novos títulos.
Na mesma
rota, parava sempre na esquina do bosque onde se via pessoas caminhando,
vendendo objetos, fazendo atividades físicas ou passeando com seus pet’s e isso o distraía enquanto o farol
de trânsito ficava verde. No final do dia sempre era mais divertido e algumas
vezes, também parava ali tomar água de coco.
A
vendedora de frutas sempre o abordava e quando não comprava nenhuma mercadoria,
entregava a ela chicletes, balas ou até mesmo chocolates. Essa rotina já fazia
parte do seu cotidiano, que era comum diminuir a velocidade do veículo afim de
pegar o farol fechado na esquina do bosque, aproveitando a sombra e o sorriso
da vendedora.
Apostando
no vínculo criado com a moça, resolveu pedir o número do seu telefone com a
intenção de encomendar frutas frescas, em especial maçãs. Segundo ele, gostava de
ler suas histórias enquanto as comia. As verdes, geladas, eram as suas
preferidas. No final de semana esteve no bosque, mas não encontrou a vendedora.
Fazer caminhadas não era uma atividade que o seduzia, mas aproveitou a
oportunidade para dar uma volta no bosque e conhece-lo melhor. Embora frustrado
decidiu procurá-la na semana seguinte.
Conforme
planejado, na semana seguinte passou lhe a primeira mensagem, apresentou-se a
ela e disse que era o rapaz do carro cinza. Mandou uma foto, pediu uma dela,
confidenciaram suas idades, que estavam solteiros, que moravam sozinhos, falaram
do seus trabalhos, sorriram e ele salvou o número dela no seu celular. Trocaram
mais algumas palavras, acertaram os valores e marcaram o dia de pegar as frutas
encomendadas.
Não sabia
exatamente, mas fez isso por cinco ou seis semanas seguidas. Mesmo não comprando frutas
todos os dias, se viam no transito, trocavam sorrisos e mensagens. Em um dos
finais de semana, pediu a ela que fossem a um parque do outro lado da cidade para se verem e andar
de patins. Embora ela dissesse que não conseguia andar, ele insistiu que ensinaria ela, além de pagar a locação. Tomaram água de coco, sorriram e ele a deixou em casa.
Na quarta-feira
seguinte, saiu do trabalho uma hora mais cedo, passou na padaria mais perto e
comprou um pedaço de torta de chocolate. Passou pelo bosque e como de costume ela veio ao seu carro. Sorriram e ao entregar a torta disse que era para adoçar
a sua noite após o jantar. De boné para se proteger do sol, agradeceu constrangida.
O sinal abriu e eles se despediram.
No dia seguinte,
passando pelo mesmo trajeto, ele não a viu. Na segunda feira, 5 dias depois, parado
na esquina do bosque, escutou pelo rádio que vizinhos acionaram a polícia, que
encontrou uma moça morta dentro de casa. Do lado, um recipiente de isopor com
uma fita vermelha por fora e resto de torta de chocolate por dentro, com a
frase escrita ao fundo: “Boa Noite Juliana.”
O sinal
abriu. Sorrindo, engatou a primeira marcha e seguiu.
Paulo Veras é mestre em
educação, psicólogo clínico e organizacional, psicanalista, pedagogo, escritor
e faz palestras, especialista em educação especial e inclusiva, especialista em
docência do ensino superior e professor universitário em Goiânia-GO.
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