
Curioso também, é o fato de que, a palavra saudade só é ouvida na língua portuguesa, ou das línguas que se originam dela. Já vejo logo, um grande privilégio. Sem dúvidas, é uma das poucas palavras, com maior grau de dificuldade para definição, seja do sentido etimológico, como do sentido íntimo e psicológico de todos nós. A saudade é para muitos, uma mistura de dor, perda, tristeza, solidão, melancolia, esperança e por ai vai. Mas a mistura desses sentimentos tem fundamento, uma vez que saudade, é mesmo formada por distância, solidão e dor, regado ao limite de cada um de nós.
Só mesmo os poetas, vestidos de todas as suas riquezas é que conseguem e podem falar um pouco mais. É sempre comum, nos aliarmos a uma musica, poema ou som musical, que associadas a uma perda, nos faz ter de volta aquilo que não está mais aqui. Zizi Possi dispara: "Era tanta saudade. É, pra matar, eu fiquei até doente, eu fiquei até doente, menina. Se eu não mato a saudade. É, deixa estar. Saudade mata a gente, saudade mata a gente, menina".
Incrível mesmo, é o poder que tem a saudade. Saudável também é ter a oportunidade de sentir saudades. É óbvio dizer, que aquele que não sente saudade, com certeza não teve passado, não teve história e não está ligado de certa forma ao que viveu em tempos distantes. E Maria Bethânia cantando Dominguinhos completa: "Tô com saudade de tu, meu desejo, tô com saudade do beijo e do mel, do teu olhar carinhoso, do teu abraço gostoso, de passear no teu céu".
Diante disso, há sempre alguns questionamentos que sempre fazemos a nós mesmos: Com o passar do tempo, a saudade do bem amado aumenta ou diminui? Se observamos, quando ficamos muito tempo sem ver um amigo, ou um parente, ou a antiga paixão, é natural que vamos nos esquecendo dele. As ligações diminuem, os recados, os sonhos na noite fria, as olhadas longas no álbum de fotografias, tudo isso, vai desaparecendo. E quando voltamos a nos reencontrar, nada de novo, nada de especial... o cronômetro parece ser zerado.
E dá pra matar a saudade? É o mesmo que dizer, que, por algum momento esse sentimento não existe. Ele foi vencido. Ainda que temporário, o "matar saudade" tem o poder de trazer ali, a pessoa amada. Ainda que por vezes, a saudade ateste a ausência jamais vencida, o "matar" restabelece as forças de um "outra vez". Ainda que misturada com lembranças de um passado bom e mal, saudade é sempre saudade.
E questiono mais: Quem não tem saudade dos tempos idos da infância? Mesmo que ela não tenha sido especial, há sempre o que se recordar dela. E quem consegue esquecer os chicletes ping-pong, do kichute, do Ki-suco, marmelada redonda vendida só em supermercado? Alguém consegue esquecer dos banhos na chuva, do primeiro presente fruto de uma conquista, do primeiro beijo trêmulo e do dia que te riram de você, so porque você era diferente? Talvez só agora você consiga lembrar da primeira vez que você caiu de bicicleta, ou do dia em que você ficou todo pintado por causa da catapora. Não que isso seja bom, mas não deixa de ser saudade.
O mais forte mesmo é a saudade das pessoas, que por algum motivo nunca mais vamos vê-las. Não me refiro somente àquelas que perdemos: O irmão, os pais, os avós, ou o filho. Me refiro aquelas que perdemos ainda em vida e que hoje, não sabemos onde estão, se mortas ou se vivas. E ai, de vez em quando, a saudade com seu poder, nos trazem à memória. Lembra da primeira professora, aquela que chamávamos de tia e que nos consolou quando nossa mãe virou as costas e foi embora? E será por onde anda, aquela pessoa, que pela primeira vez nos olhou diferente e mesmo sem dizer nada, disse tudo? Todos esses devem estar classificados na saudade, que é feita de dor, distância e carinho.
Se você tem saudade é porque em algum momento, você fez da vida, o que melhor se deve fazer dela: VIVER!
Paulo Veras é psicólogo clínico e organizacional, psicanalista, especialista em educação especial e inclusiva, especialista em docência do ensino superior e professor universitário em Goiânia-GO.